Ao longo do mês de julho estivemos presentes no Centro de Estudos de Arqueologia Moderna e Contemporânea (CEAM) como estagiários universitários num estágio da Direção Regional da Juventude e do Desporto. Durante este período acompanhámos e participámos em vários aspetos do trabalho arqueológico do período moderno na ilha da Madeira, sendo que este ensaio visa explorar alguns aspetos base retidos do trabalho de campo num contexto arqueológico insular da perspetiva de um aluno de Antropologia e outro de Arqueologia.
A Arqueologia trata da procura, análise e contextualização de bens materiais como meio de preservação cultural, correlacionando o material encontrado com o contexto histórico, cultural e sociológico de um determinado espaço. O espaço insular em que se realizou este estágio, poder-se-á dizer rico de memórias materiais culturais. A análise destes materiais permite uma descrição demográfica e materialmente etnográfica da organização e funcionamento social dos vários espaços, assim conseguindo uma descrição tanto estrutural como funcional acerca destes mesmos fatores.
Tal como a Antropologia, a Arqueologia moderna e contemporânea, num contexto insular remete para uma autoanálise e remodelação do campo de estudo – o foco no meio urbano. No mundo contemporâneo, especialmente com a homogeneização transnacional da cultura, bem como, com a maior urbanização dos espaços, o património material torna-se um aspeto cultural especialmente importante na preservação de memórias culturais do espaço, que posteriormente apoiarão o cultural imaterial obtido no processo antropológico etnográfico.
Assim, passamos a descrever a nossa experiência neste estágio, descrevendo algumas metodologias retidas, bem como algumas noções teóricas e estruturais numa perspetiva observativa-participante relativa ao período de um mês passado neste contexto.
A experiência baseou-se em três aspetos do funcionamento prático arqueológico: a escavação e recolha de materiais, a lavagem e a preservação dos mesmos e algumas bases acerca da análise de materiais osteológicos.
Primeiramente fomos apresentados a uma das práticas basilares do trabalho arqueológico, a lavagem de materiais. Após retirados do local de escavação, os materiais são separados e manualmente lavados para uma posterior contagem, pesagem e análise. Aqui criamos uma noção acerca dos mais predominantes tipos de materiais encontrados na escavação: cerâmicas comuns, faianças, metais, ossos e vidros. A lavagem e separação seguida de uma análise e registo destes materiais criam um espaço para a perceção de fatores históricos do local estudado, como forma de obter dados acerca dos materiais utilizados no funcionamento quotidiano bem como na datação e contextualização dos mesmos.
No contexto de escavação deparámo-nos com outra profundidade metodológica do processo arqueológico: estivemos presentes numa escavação na Rua Santa Maria no Funchal. Ao chegar ao local ouvimos as primeiras impressões acerca do que já era visível, sendo estas de uma levada e alguns pisos em pedra rolada. As primeiras tarefas no local basearam-se na introdução ao processo de medição e desenho técnico em papel milimétrico da camada visível. À medida que o trabalho avançou, aprendemos as bases de delimitação das camadas estratigráficas e a utilização das várias ferramentas disponíveis.
Ao fim de duas semanas de escavação teríamos passado por várias especulações e análises do local e deparámo-nos com a mais fascinante estrutura do local de escavação: o que aparenta ser parte desconhecida de uma das principais muralhas de proteção do Funchal, composta por pedra aparelhada, de grandes dimensões revestida a argamassa de cal.
Com isto, destaca-se a visão de uma escavação arqueológica como um espaço dinâmico, onde se constrói ao longo do tempo uma perspetiva mais definida do contexto em que é escavada. O contexto é uma questão essencial no estudo de um espaço, principalmente quando estamos a falar de um espaço urbano, e daí a importância dos acompanhamentos arqueológicos num centro histórico com o do Funchal, onde a ocupação remete até inícios do século XV.
Também é de referir o caráter portuário da cidade do Funchal, que pela materialidade arqueológica em arquivo dos acompanhamentos arqueológicos já realizados remete-nos para vários contactos comerciais nacionais e até internacionais. Desde cerâmica comum, para várias funções até aos cachimbos de caulino, conseguimos obter uma boa noção da grande participação da cidade nos trajetos maritimos, que se sente principalmente a partir do século XVI e se estende até a atualidade. Para além dos testemunhos destas escavações em ambiente terrestre, também podem-nos dizer muito, os testemunhos encontrados em ambiente aquático. A Ilha da Madeira, nomeadamente o Funchal, carece de um estudo arqueológico subaquático. Quando fontes históricas nos apontam para um porto muito frequentado quer por embarcações de pequena e média dimensão, como é o caso dos barcos de cabotagem, que realizavam uma ligação entre concelhos, rápida e pouco custosa, onde haviam trocas comerciais, culturais e conceptuais, até embarcações de grande dimensão que faziam de itinerário esta e outras ilhas do Atlântico, tal como os Açores, Canárias e Cabo Verde.
Muito para além das metodologias retidas durante esta experiência, foi possível retirar várias noções acerca da burocracia envolvente de um trabalho deste tipo, bem como a luta que a preservação do património urbano moderno se mostra ser, bem como as várias entidades multidisciplinares necessárias para a administração de processos como este. Foi-nos disponibilizada uma variedade de bibliografia tanto a nível histórico, como a nível arqueológico a partir das quais conseguimos formar certas noções base que não só despertaram interesse na história sociodemográfica insular, bem como nos prepara minimamente para algum tipo de trabalho que possamos vir a fazer neste contexto.
Queremos, por fim, agradecer ao Alexandre, à Ana e ao Luís por nos terem proporcionado uma experiência tão enriquecedora, tanto a nível profissional, numa perspetiva atual e futura, como pela amizade e boa companhia que nos transmitiram durante este mês. O nosso obrigado sincero.
Alexandre Fernandes
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa – Antropologia
Marco Freitas
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa – Arqueologia